É urgente universalizar o saneamento no Brasil

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O Brasil perdeu, no ano de 2018, a chance de avançar rumo à universalização do saneamento com a paralisia do Legislativo frente à Medida Provisória (MP) 884. É fundamental que, em 2019, o desfecho seja outro, com a discussão no Congresso da MP 868, de conteúdo semelhante.

A revisão do marco legal do saneamento poderia significar um salto de investimento no setor. Dentre outros pontos, está sendo discutida uma padronização da regulação do setor em torno de diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Águas (ANA), o que asseguraria maior uniformidade na regulação e estabeleceria padrões de qualidade, estimulando a eficiência de gestão entre as operadoras, sejam elas públicas ou privadas, favorecendo o desenvolvimento do setor.

Não fossem os ultrapassados argumentos que ainda insistem em contrapor esforços da inciativa privada aos da esfera pública, a revisão do marco regulatório do setor poderá assegurar um ritmo adequado de investimento. Isso permitiria reduzir o atraso no cronograma estabelecido pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) para a universalização do saneamento.

Mas, mantida a tendência atual, sem melhora na regulação do setor, já é possível infelizmente projetar que, em 2054, mais de duas décadas após a meta inicial, ainda haverá brasileiros sem acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário. Muito além do Plano Nacional, é importante lembrar que o Brasil se comprometeu, em 2015, com a meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), da Organização das Nações Unidas (ONU), de garantir acesso à água e esgoto a toda a população até o ano de 2030!

Não é nenhum exagero classificar as discussões que inviabilizaram a aprovação da MP 844 e que, agora, se propõem a atrasar a MP 868 como um exercício de crueldade, tendo em vista que a população ainda vive uma situação dramática de saúde pública decorrente de uma enorme carência de investimentos.

De acordo com estimativas do Plansab, seriam necessários R$ 508 bilhões, entre 2014 a 2033, para atingir a universalização dos serviços de saneamento, uma média de investimento anual de R$ 25,4 bilhões, mais do dobro do que o montante verificado nos últimos anos: apenas R$ 11,1 bilhões por ano, entre os anos de 2014 e 2017.

É vital a reunião de esforços, já que o quadro é tão complexo que ninguém será capaz de equacioná-lo sozinho

O nível vexatório de investimentos no setor de água e esgoto brasileiro nem é a pior parte da história. Para piorar, o volume de recursos investidos no setor decaiu consistentemente a cada ano desde o pico, em 2014, até 2017, último ano com informações divulgadas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Estamos atrasados, andando devagar e ainda por cima desacelerando!

Além disso, os recursos são aplicados de forma desigual, acentuando as diferenças entre as regiões do País. Enquanto, nos últimos três anos, 63,3% dos recursos voltados para o saneamento se concentram nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Bahia, apenas 1,7% foi aplicado no Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia. Os indicadores são alarmantes especialmente na região Norte, onde apenas 10,24% da população têm acesso ao esgoto. No Nordeste, esse percentual é de 26,87% e, no Sul, 43,93% têm acesso ao benefício.

Enquanto isso, mais de 35 milhões de brasileiros ainda não possuem acesso à água potável, 100 milhões não possuem coleta de esgoto e apenas 10 das 100 maiores cidades do País tratam pelo menos 80% do esgoto coletado. Apenas 46% dos resíduos gerados nacionalmente passam por tratamento, enquanto quase 74% são encaminhados à rede e, depois, à natureza. Outros municípios ainda não têm sequer uma estação de tratamento. Desperdícios também não faltam. Hoje, a cada 100 litros de água captada e tratada no Brasil, 38% são perdidos por causa de rompimentos, furtos e outros danos na rede de distribuição. O índice de perdas chega a 55% em regiões como a Norte, onde paradoxalmente a oferta de recursos hídricos é abundante.

O impacto socioambiental é enorme. Se o volume de esgoto tratado chega a 4,2 bilhões de metros cúbicos, imagine a quantidade lançada in natura? Não surpreende que o Brasil tenha tantas epidemias e áreas degradadas. A permanência dessa fossa a céu aberto nos coloca distante de um País com oportunidades mais democráticas. Ainda seremos, por um longo tempo, impactados por desvalorização imobiliária, perda de produtividade decorrente do absenteísmo no trabalho, gastos com saúde pública, baixo desenvolvimento escolar de boa parcela de nossas crianças e adolescentes e, não menos grave, óbitos de recém-nascidos, tudo em decorrência da ausência do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário.

Por outro lado, há uma percepção maior da população brasileira, mais sensível à gravidade deste quadro. Parte em decorrência da crise hídrica, que chamou a atenção para um problema que, antes, ficava concentrado regionalmente. Este ganho de consciência vem, gradativamente, gerando bons frutos e trazendo à tona novas formas de encarar esse velho problema.

A atenção da sociedade civil para a urgência da questão começa a originar organizações com propostas de atuação multissetorial, trabalhando como catalisadoras de uma mudança sistêmica a partir de parcerias estabelecidas com diferentes atores do setor. Essa iniciativa de reunião de esforços é fundamental, já que o quadro é tão complexo que ninguém – empresas, governos, entidades setoriais e sociedade civil – será capaz de equacioná-lo sozinho.

É urgente promover a inovação e da educação a população para o desenvolvimento sustentável, a partir da sinergia entre vários setores da sociedade. Esta é a tendência observada em paises mais desenvolvidos e democráticos. Organizações desta natureza nos Estados Unidos, Inglaterra e Itália comprovam que a promoção da conscientização e, consequentemente, o engajamento da sociedade como multiplicadora de práticas sustentáveis são o caminho para que gestores públicos adotem medidas que possibilitem eliminar o déficit de saneamento.

Por Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, membro do Conselho do Instituto Iguá de Sustentabilidade, professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração- PAE-EAESP/FGV

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