A AGU (Advocacia-Geral da União) apresentou proposta de regulamentação do uso de precatórios para diversas finalidades, como outorgas para concessões, pagamento de impostos, imóveis, entre outras. O tema está em consulta pública até o próximo dia 30 de junho. É importante lembrar que precatório é uma ordem judicial para pagamento em dinheiro e a possibilidade de utilização está prevista na Constituição Federal.
Na hierarquia das leis, a Carta Magna é suprema e as leis inferiores não podem criar obstáculos práticos para sua utilização ou regras diferentes customizadas de acordo com a intenção do devedor. Ou seja, portaria não modifica a Constituição.
A origem disso segue a contramão dessa supremacia legal. A AGU revogou a normativa que regulamentava os procedimentos para a utilização de precatórios em pagamentos a entidades públicas federais. O órgão ainda destacou um grupo de trabalho para elaborar nova norma sobre o tema.
Na proposta apresentada, a AGU sugere uma engenharia burocrática bastante complexa quando se trata de operacionalizar a utilização dos precatórios. Um novo contencioso administrativo surgirá, certamente.
Está mais do que provado, no mundo real de transações diárias de milhões de títulos, ações, debentures, quotas de fundos, câmbio, que a iniciativa privada pode prestar serviços de cálculos e transações de qualquer tipo, com segurança e total confiabilidade.
Já as ações de empresas públicas, títulos do Tesouro (dívidas voluntárias) são negociados sem intercorrências na B3 (antiga Bolsa de Valores). Bilhões e bilhões.
Diante deste cenário, chama a atenção uma das sugestões da AGU para a utilização dos precatórios. A proposta diz que os titulares terão que apresentar garantias (dinheiro, fiança, etc.) que o próprio devedor, o Brasil, pagará! Ou seja, o credor terá que dar uma garantia que o devedor honrará o pagamento para si mesmo!
Qual a melhor opção? A securitização. A evolução do precatório para algo parecido às LTN (Letras do Tesouro Nacional) ou TDA (Títulos da Dívida Agrária). Os TDAs são títulos oriundos de processos judiciais e que se transformaram em títulos eletrônicos, autônomos e circuláveis. Têm valor de face, juros e correções conhecidos, como deve ser com os precatórios.
Certamente que exigirá um trabalho hercúleo. Contudo, há alguns anos a diretoria da CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos Privados), hoje incorporada à B3, enviou ao Tribunal de Justiça de São Paulo uma proposta de fazer isto tudo sem custo para o Tribunal, visando a criação de um mercado novo de títulos (os judiciais), batizados de PRECS.
A AGU deveria ouvir a B3 e empresas do mercado. Sem essa troca de conhecimento, coloca em xeque esta consulta pública.
O precatório deveria sair do ambiente judicial, que não tem vocação nem está aparelhado para o trabalho de controle de pagamento de milhões de títulos.
E o dinheiro para pagamento? A reestruturação de dívidas públicas bilionárias (a métrica brasileira já está indo para trilhões…) exige conhecimento e experiência de bancos internacionais, como Banco Mundial, na área pública ou particulares, como o J.P. Morgan, que há poucas semanas salvou o mercado financeiro mundial de uma recessão. Bancos brasileiros, públicos e privados deveriam participar da missão.
Somente o mercado internacional tem recursos bilionários para financiar uma mega reestruturação de dívidas públicas, inclusive com funding para os entes devedores.
União, estados e municípios devem vender suas dívidas ativas, terrenos e ativos ociosos. Lembremos a “concordata” da cidade de Detroit e da Resolution Trust Corp., na época da crise das hipotecas dos Estados Unidos. A Resolution recebeu os ativos imobiliários como ativos e os foi vendendo para pagar os passivos hipotecários.
Uma ação inovadora, recentemente permitiu-se a venda de créditos de carbono em concessões de florestas públicas, uma inovação bem-vinda.
É importante ressaltar que precatórios são um problema de finanças públicas e não judicial. Os movimentos legislativos e judiciais terão que ser coordenados com as leis econômicas e de mercado. Não podemos ser conhecidos como inimigos do meio-ambiente, direitos humanos, burocráticos e inadimplentes contumazes. O Brasil tem tudo para se tornar a Arábia Saudita da bioeconomia verde, um dos maiores e melhores países do mundo, com justiça social e oportunidades para todos.
* Flavio Brando é advogado e ex-presidente das comissões de precatórios da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Nacional e da OAB-SP.
** Carlos Eduardo Lima Jorge é presidente da Comissão de Infraestrutura da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção)