Provérbio popular de origem histórica desconhecida, “quando a esmola é demais, o santo desconfia” é aplicado para indicar certa desconfiança em relação à atitudes bondosas que vão além dos limites normais. Com a devida “licença poética”, aplico esse conceito no ambiente das licitações de obras públicas, adaptando-o para “quando o desconto é excessivo, o administrador tem a obrigação de desconfiar”.
Os descontos acima referidos têm se propagado no campo das licitações públicas, sejam elas de projetos de empreitada, sejam de parcerias (concessões, PPPs), casos em que, na sua maioria, colocam em risco o objetivo final que é o de entregar o empreendimento e/ou serviço no prazo e na qualidade exigidos.
Podemos destacar alguns motivos que levam as empresas a oferecerem preços nas licitações, muito abaixo daqueles orçados pela própria administração contratante. No caso das concessões, o exagero se dá no sentido inverso, qual seja, o licitante oferecer valor de outorga muito superior ao piso estabelecido pelo poder concedente. O motivo mais recorrente é o da significativa redução das oportunidades de negócios para as empresas – fruto da crise fiscal e de investimentos públicos – levando-as a buscar resultado positivo nas licitações a qualquer custo. Esse esforço é compreensível, porém a experiência tem mostrado o inverso: tais situações é que têm levado centenas de empresas a fecharem suas portas.
Mas seja lá qual for o motivo que leve a construtora a “mergulhar” nos preços, a administração pública tem – ou deveria ter – a obrigação de recusar propostas manifestamente inexequíveis. E por que não o faz? Não recusa com receio dos órgãos de fiscalização e controle que insistem na premissa de que o melhor preço é o menor preço.
Ou seja, quem deveria cuidar da aplicação mais eficiente dos recursos públicos, estimula a corrupção (tentativas de melhorar o contrato pós-licitação) e estimula o verdadeiro cemitério de obras paralisadas ou abandonadas que infelizmente se propaga de norte a sul do país.
A evidente distorção que se verifica na vantagem do empate para as empresas de pequeno porte (empate ficto, estabelecido pela Lei Complementar nº 123/2006) é outro foco que merece atenção imediata dos legisladores. Empresas assumindo compromissos que extrapolam em muito sua capacidade operativa, utilizando-se do “recurso legal” que lhes assegura empate e preferência, em propostas até 10% superior à proposta mais bem classificada. Exemplo dessa distorção pode ser verificado em autarquia paulista responsável pela construção e manutenção de escolas, com mais de 300 obras paralisadas.
No momento em que discutimos no Congresso Nacional projeto de revisão da Lei Geral de Licitações, em que vemos o governo federal dedicando esforços para corrigir erros passados nos editais e modelagens de concessões e PPPs e quando vemos o país avançar no combate à corrupção – é sem dúvida o momento mais oportuno para se estabelecer forte e eficáz arcabouço legal e jurídico que garanta para toda a sociedade que a melhor contratação pública é aquela que assegure a entrega do bem no prazo e na qualidade exigidos.
Carlos Eduardo L. Jorge
Presidente da COP/CBIC