As vicissitudes da conjuntura política e o número negativo da produção industrial no começo deste mês poderão ter desanimado alguns observadores da economia brasileira. Mas há razões para ser moderadamente otimista em relação aos três principais vetores de uma modesta recuperação em 2017.
O primeiro vetor é o ajuste fiscal, condição necessária para obter uma trajetória sustentável da dívida pública. Sanar o rombo nas contas do governo exige a aprovação de medidas como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 241 e a reforma da Previdência. Esta última só deve ser votada no ano que vem, mas os avanços na tramitação da primeira têm desmentido os mais céticos.
Na última segunda-feira (10), a PEC 241 foi aprovada na Câmara dos Deputados por uma ampla maioria dos deputados, 366 a favor e 111 contra. Fortes resistências produziram algumas mudanças no texto-base na comissão especial da Câmara, mas não alteraram sua essência. Na Câmara haverá mais um turno de votação, marcado para o próximo dia 24, para em seguida ser analisada pelo Senado. A expectativa é que seja aprovada até o fim de novembro.
A proposta que limita os gastos públicos à inflação oficial do ano anterior é modesta dada a gravidade da crise, mas é um marco para a história econômica brasileira. Em um setor público acostumado a gastar sem limites, a imposição de um teto válido por 20 anos constitui avanço.
As resistências de sempre estão ativas, mas chama atenção a convergência de diferentes forças políticas a favor da medida e a relativa pressão social para conter a expansão desenfreada do gasto público. A dificuldade de vários Estados em honrar a folha de pagamentos ajuda como efeito demonstração daquilo que pode ocorrer se medidas efetivas não forem adotadas.
O avanço da PEC no Congresso tem impacto direto na expectativa dos mercados. Por sua vez, a implementação do ajuste fiscal está entre as condições impostas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) para o início da queda dos juros. Outra condição é a de que a persistência dos choques de alimentos nos preços seja limitada. A respeito deste ponto, há boas notícias.
A pressão da inflação de alimentos será menor em virtude das boas perspectivas para a safra 2016/17. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou forte desaceleração em setembro. A alta de 0,44% de agosto caiu para 0,08% no mês passado, menor resultado desde julho de 2014, quando o índice subiu 0,01%. Alimentos e bebidas apresentaram deflação de 0,29% e outros grupos que também vinham pressionando os preços mostraram tendência de queda. Nos últimos 12 meses o índice acumula alta de 8,48%, uma retração em comparação à taxa de 8,97% de agosto.
Com as duas condições satisfeitas aumentaram as expectativas para uma redução da taxa Selic de ao menos 0,25 pontos percentuais na próxima reunião do Copom, que acontece nesta semana, em 18/19 de outubro. A percepção de uma trajetória descendente dos juros contribui para reaquecer, ainda que modestamente, a atividade econômica.
O segundo vetor é o investimento em infraestrutura e seu papel fundamental de deflagrar uma recuperação mais consistente. Nenhum outro componente da demanda agregada tem o condão neste momento de liderar uma expansão mais vigorosa. O consumo está deprimido em função da queda da renda, do elevado endividamento das famílias e do medo do desemprego; os gastos governamentais estão limitados pela óbvia restrição fiscal; e as exportações são importantes, mas seu peso relativo ainda não é suficiente para liderar a retomada.
Além do estímulo sobre a demanda agregada, o impacto dos investimentos em infraestrutura sobre a competitividade da economia pode ser considerável, ao reduzir o chamado “Custo Brasil”, atenuando os inúmeros gargalos da infraestrutura desde a energia até a falta de logística e saneamento básico. Por conta disso, o Programa de Parcerias de Investimento (PPI) constitui a esperança de uma recuperação consistente da economia.
O potencial do impacto do PPI sobre o PIB e emprego é sabido. Se os estimados R$ 67 bilhões de potenciais investimentos forem realizados, há um efeito previsto de R$ 187 bilhões na renda total da economia e geração de 2,7 milhões de empregos. O cálculo feito com base na matriz de insumo-produto do IBGE também pode ser replicado para o setor de saneamento, setor historicamente negligenciado no Brasil e incluído no PPI. Considerando R$ 25,8 bilhões em investimentos nas empresas estaduais Cedae (RJ) Cosanpa (PA) e Caerd (RO) implícitos nas metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), mais de 600 mil empregos seriam gerados e o PIB aumentaria em R$ 65,2 bilhões.
Por fim, o terceiro vetor é o setor externo. Diferentemente do que se previa há dois anos, uma combinação de fatores no exterior, como o Brexit e o terrorismo, causou incerteza nos mercados, o que gerou bancos centrais mais expansionistas. A maior expansão monetária, juros baixos ou negativos ao redor do mundo e a existência de ativos baratos no Brasil por conta da crise brasileira abriram uma janela de oportunidade (estreita) para captação de recursos de fundos de investimento.
Tanto a vitória com a PEC de gastos quanto a com o projeto do pré-sal são sinais de que o governo tem uma base forte no Congresso para levar adiante as reformas pretendidas. Ademais, observa-se nas eleições municipais um realinhamento político-partidário em favor da base aliada do governo, o que terá impactos significativos nas eleições de 2018.
Para aqueles que se impressionaram com a queda de 3,8% da produção industrial em agosto frente à produção de julho, trata-se de um declínio pontual. Indicadores antecedentes para o mês de setembro, como por exemplo a produção de veículos da Anfavea, já indicam uma melhora. Considerando dados dessazonalizados, a produção de veículos cresceu 19,1% no mês passado, já devolvendo praticamente toda a queda do setor em agosto, de 16,4%. Outros indicadores como a confiança dos empresários industriais e a utilização da capacidade instalada no setor, apesar de ainda bastante deprimida, também voltaram a subir em setembro.
Dadas as boas notícias para cada um dos três vetores de recuperação da economia brasileira, o que então poderia dar errado? Em primeiro lugar, uma mudança na trajetória de subida gradual dos juros nos EUA em função de circunstâncias inesperadas na economia americana. Isso tornaria mercados arriscados como o do Brasil menos atraentes para investimentos estrangeiros. Em segundo, um impasse político interno que comprometesse a eficácia na formação de maioria da base aliada do governo.
Ambos são eventos possíveis e que devem ser levados em conta no planejamento de risco. Não abalam, contudo, o otimismo moderado para 2017.
Gesner Oliveira
Sócio executivo da GO Associados