Os juros em patamares elevados por um longo período, aliado a uma inflação de serviços ainda alta, apontam para um cenário de paralisação de obras de infraestrutura já se aproximando no país. O fenômeno está mais claro para as obras contratadas com recursos públicos, mas representantes do setor empresarial não descartam que projetos de concessão possam ser afetados.
Neste mês, o Banco Central elevou a taxa básica de juros da economia para 14,75%, o maior patamar desde 2013. O início da subida da taxa foi em setembro de 2024 e não está claro se já se encerrou e quando começa a baixar. A intenção do Banco Central é controlar a inflação que vem ficando fora da meta.
Mas a subida pegou o país num momento de forte retomada dos investimentos em infraestrutura, especialmente os tocados em parceria com a iniciativa privada em concessões e PPPs (Parcerias Público-Privadas). O direcionamento para esse modelo de contratação ganhou força a partir de 2016 no país, com a criação do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) do governo federal e outras medidas de incentivo a esses contratos.
O volume de investimentos contratados vem crescendo ano a ano. Segundo dados do PPI, entre 2016 e 2024 foi contratado R$ 1,3 trilhão em investimentos nos mais de 330 projetos licitados que tiveram o acompanhamento do órgão. Há ainda projetos de governos subnacionais, além das obras privadas.
Esses projetos de parceria são contratados em leilões que têm grande destaque por parte da comunicação dos governos e da imprensa, com anúncios de investimentos bilionários. Mas o grosso dos dispêndios de recursos demoram a acontecer, geralmente ocorrem entre o terceiro e o sexto ano após a assinatura do contrato. É o momento em que estamos para um volume significativo de contratos da última década.
As concessionárias são atualmente, em sua esmagadora maioria, empresas com um modelo de negócio próprio, muitas com investidores financeiros como sócios. Elas contratam empresas de construção para realizar as obras que são obrigatórias em seus contratos e determinam o momento de seu início. E são cada vez mais atentas ao cenário econômico.
Os relatos de construtoras com quem a Agência iNFRA conversou nos últimos dois meses, algumas segmentadas para atender prioritariamente às concessionárias, é de que alguns investimentos previstos já estão sendo postergados. Elas relatam que propostas encaminhadas com pedidos para que a mobilização ocorresse no início do ano ainda não tem decisão.
O relato é que isso tem ocorrido em diferentes setores, mas os que têm maior volume de obras obrigatórias já previstas nos contratos de concessão, como rodovias e saneamento, é onde os impactos são no momento mais evidentes.
Carlos Eduardo Lima Jorge, que preside a Comissão de Infraestrutura da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), relata que o momento de juros afetou de forma ainda leve os leilões, cujas empresas têm se mostrado de alguma maneira mais seletivas, mas seguem buscando colocar ativos na sua carteira.
Para isso, no entanto, os diferentes governos têm tido que rever as taxas de retorno dos projetos para torná-los atraentes aos investidores. Em alguns setores, ele vê um limite social para isso, especialmente quando os reajustes resultam em tarifas mais altas aos usuários dos serviços, o que pode afetar os próximos leilões.
Penalidades para descumprimentos
Mas, no caso da contratação das obras por parte das concessionárias, segundo ele, os relatos são de que o movimento de jogar obras para frente já começou, na busca de evitar se financiar com juros mais altos. Um dirigente de uma empresa com quem a Agência iNFRA conversou disse que não há como não haver postergação de obras contratadas diante do atual cenário.
Os descumprimentos de contratos podem levar a penalidades rígidas. Essas penalidades foram previstas tentando evitar a repetição de ondas de paralisação de obras concessionadas que ocorreram no país nas últimas duas décadas. No entanto, na avaliação deles, reguladores e empresas vão ter que começar a pensar em como tratar do tema para evitar que as penalidades possam criar ainda mais problemas para os contratos.
Obras públicas mais afetadas
Lima Jorge avalia que o impacto mais imediato e duro dos juros altos vai se dar sobre as obras contratadas diretamente com recursos públicos por diferentes governos, mas especialmente por prefeituras. Segundo ele, a estimativa é de que em breve um volume significativo de projetos já sofra com paralisações.
O motivo é o financiamento para o fluxo de caixa das empresas responsáveis pelas construções. Ao iniciar qualquer etapa de uma obra, a empresa demora entre 45 dias e 90 dias para receber. É o prazo normal, sem atraso. Em geral, os custos desse período são suportados por financiamentos, que agora ficaram muito caros e com linhas de crédito mais restritas.
As empresas são parcialmente compensadas por isso, seja porque os custos mais altos se refletem nas tabelas de preços que baseiam as contratações de obras ou porque seus contratos são reajustados anualmente. O problema é que, com juros muito altos, o longo tempo para as correções consome o caixa das empresas.
“O que sinto com essa alta crescente do juros é que, em obra pública, há um grande risco de novo ciclo de obras paralisadas. Não vejo fôlego das empresas para aguentar. Está bem difícil”, relata o dirigente.
Mão de obra e produtividade
Há dois fatores em comum entre as contratações de obras por concessionárias e governos, influenciados pelos juros altos. O primeiro é a compra de maquinário. Com o aumento do volume de projetos contratados após um ciclo de baixa durante o período da operação Lava Jato, empresas vinham renovando seu estoque de equipamentos, adquirindo máquinas mais modernas.
A expectativa é que essa aquisição de máquinas novas pudesse reduzir a dependência de mão de obra, o que vem sendo um problema para o setor nos últimos anos e se agravou fortemente a partir de 2024.
Mas, como os juros altos também impactam esse financiamento, as empresas estão, segundo Lima Jorge, reduzindo gradualmente esse movimento de modernização, o que tende a fazer com que as obras precisem de mais mão de obra e sejam menos produtivas.
Dimmi Amora, da Agência iNFRA