Artigo: Em defesa da legalidade

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Por Carlos Eduardo Lima Jorge*

O Brasil tem avançado no investimento em infraestrutura, mas continua carregando entraves que precisam ser superados para que a iniciativa privada possa atuar com mais segurança e previsibilidade. Muitos desses desafios residem na atuação da administração pública e a plena aplicação das normas e é grande a expectativa pela construção de avanços que permitam dar velocidade aos projetos que o país precisa.

Nesse campo, é cada vez mais importante a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), que carrega entre suas missões induzir o aperfeiçoamento da Administração Pública em benefício da sociedade, garantindo a correta aplicação dos recursos públicos por meio do controle externo, observando os princípios da legalidade, legitimidade, economicidade e impessoalidade.

Não são poucas as ações do Tribunal nesse sentido. Porém, o que observamos (ou sentimos na prática) é que tais ações, em sua quase totalidade, voltam-se ao exame do comportamento da iniciativa privada, em detrimento do acompanhamento, também, dos atos praticados pelos administradores públicos. Atos indevidos praticados pelo poder público têm os mesmos efeitos lesivos à sociedade que aqueles praticados pelos entes privados.

O dia a dia de quem atua no segmento da infraestrutura tem sido marcado por esse ambiente, em que a omissão do tribunal tem reforçado entraves que retiram a velocidade, quando não impedem, o investimento em uma das áreas em que o Brasil carrega mazelas antigas. Da mesma forma que o TCU contribui para a melhoria continuada da atuação da iniciativa privada, é importante que possa fomentar avanços também na administração pública.

A Lei 14.133/21, por exemplo, estabeleceu limite numérico para aceitação de preços ofertados nas licitações. Embora inicialmente o tribunal tenha entendido que esse limite fosse uma presunção absoluta (Acórdão 2.198/2023), pouco tempo depois reviu essa posição (Acórdão 465/2024), passando a considerá-lo uma presunção relativa. Vale dizer que os licitantes podem apresentar propostas com valores inferiores a 75% do valor estimado do contrato, desde que comprovem sua exequibilidade através de diligências. Na prática, salvo raras exceções, não há qualquer diligência, e esses “mergulhos” são homologados pelos contratantes.

Em outro caso relevante, a Lei 14.133/21 estabeleceu a possibilidade de exigência do seguro-garantia com cláusula de retomada, para as obras de grande vulto. Sem dúvida, uma prática que eleva o valor do seguro, tendo em vista os procedimentos necessários para sua aplicação. Como as construtoras poderão ser ressarcidas desse incremento de custo, se o seguro aparece como item do BDI, limitado aos percentuais estabelecidos em Acórdão 2.622 do TCU, publicado em 2013? Não seria o caso de o seguro passar a compor os itens de planilha?

Além disso, a Lei 14.133/21 determina que a comprovação da qualificação técnico-operacional dos licitantes deve restringir-se às parcelas de maior relevância ou de valor significativo do objeto licitado, assim consideradas as que tenham valor individual igual ou superior a 4% do valor total estimado da contratação. Acontece que administradores públicos, com justificativas inconsistentes (e ilegais) vêm exigindo atestação de itens com valores abaixo de 4% do valor da contratação. Esse limite, que foi colocado na nova lei exatamente para impedir dirigismos nas licitações, tem sido esvaziado, mantendo distorções que se pretendia reverter.

Outros dois pontos desse marco legal geram preocupação para o setor da construção. A lei 14.133/21 determina que a comprovação da habilitação econômico-financeira dos licitantes seja feita de forma objetiva, utilizando-se coeficientes e índices econômicos previstos no edital. O que temos visto são administradores públicos exigindo a comprovação de captação anterior de recursos financeiros, alegando tratar-se de verificação da “capacidade estratégica” da empresa.

O empresário também continua lidando com a imprevisibilidade de pagamento pelo poder público. A Lei 14.133/21 deixa claro que o empenho de recursos é requisito fundamental para a execução de despesas públicas, sendo a formalização das obrigações financeiras da Administração Pública. Ocorre que inúmeros contratantes têm expedido ordens de serviços sem o empenho correspondente, obrigando as empresas a executarem as obras sem a garantia do recebimento.

Quando vemos o relatório do TCU sobre Obras Paralisadas, apontando que em 2024, 52% das obras contratadas com recursos federais estavam paralisadas (11.941 projetos), não seria o caso de investigar se as ilegalidades praticadas pela administração pública estariam contribuindo para esse quadro vergonhoso?

Para o setor da construção, a atuação do tribunal é essencial para criar um novo tempo na infraestrutura brasileira, em que projetos estruturantes e decisivos para o crescimento possam ser executados em um ambiente de segurança, previsibilidade e isonomia.

* Presidente da Apeop, Vice-Presidente de Infraestrutura da CBIC e presidente da Comissão de Infraestrutura (Coinfra/CBIC)

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